terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A Função Social do Poder Familiar, Seu Descumprimento e Sanções

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1 Abordagem Constitucional; 2.2 Diferença do pátrio poder para o poder familiar; 2.3 Responsabilidade de criar e educar ; 2.4 Conseqüências do descumprimento da função social do poder familiar; 2.4.1 Conseqüências civis; 2.4.2 Possibilidade de sanção penal. 3. Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo vem analisar a função social do poder familiar e observar a mudança histórica entre o pátrio poder e o novo poder familiar e suas consequências. É verificável na jurisprudência a impetração de ações que visam à indenização por descumprimento das obrigações paternas vindouras da função social do poder familiar. É de extrema relevância, para o descongestionamento do Poder Judiciário, um posicionamento do mesmo, principalmente das instâncias superiores, quanto à possibilidade de indenização aos descendentes pelo descumprimento dessa função, o cabimento ou não de imposição de sanções penais e as consequências na esfera cível.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 229, dispõe que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Da mesma forma, o Código Civil de 2002, em seu art. 1634, dispõe o mesmo previsto na CRFB/88 e ainda dá a competência de exigir respeito e obediência de seus filhos. Da mesma forma que ocorre divergência nos julgados, a doutrina também diverge quanto ao tema no que se refere à possibilidade de indenização e quanto ao que significa a expressão criar e educar previsto no texto constitucional.

A grande maioria das ações impetradas contra os genitores que descumprem sua função social do poder familiar, que tiveram êxito no Poder Judiciário tem como fundamento a violação dos princípios constitucionais da paternidade responsável, dignidade da pessoa humana e da afetividade. Todavia é necessário a comprovação do dano psicológico gerado pela ausência da figura de um dos genitores.

O objetivo precípuo deste estudo é identificar o posicionamento majoritário da doutrina e jurisprudência no que se refere aos temas já apresentados e identificar as tendências na indenização da vítima do abandono. Para discutir tais aspectos, deve-se utilizar de pesquisa bibliográfica, descritivo-explicativa tanto em material virtual, artigos disponíveis na internet, quanto em livros por ser a forma mais rápida e eficaz de descobrir o pensamento dos doutrinadores e profissionais das diversas áreas do direito.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve um fenômeno chamado de constitucionalização do direito civil, visto que na última Carta Magna, o constituinte aprofundou mais o tratamento dado a esta parte do direito, não sendo mais tratado de forma superficial, mas direcionando mais precisamente determinados temas que considerou relevante.

Assim, a Constituição Federal consagra alguns princípios que devem ser considerados ao analisar o tema em questão. Estes princípios são o da paternidade responsável, o da afetividade, o do melhor interesse da criança e o da dignidade humana.

O primeiro princípio tem por finalidade a responsabilização dos genitores pelos filhos gerados, sendo esta responsabilidade tanto de criar e educar como de responder civilmente por eventuais danos causados por estes. O segundo revela a afetividade que deve haver entre pai e filho, já que o poder familiar não é composto por um elo preponderantemente jurídico ou moral, mas de natureza sentimental, afetiva, de forma que suas ações têm nesta sua maior motivação. O terceiro visa conhecer e levar em consideração os anseios desejos e necessidades dos filhos menores. Por fim, o último princípio e mais abrangente, é o que gera o dever mútuo de respeito entre o genitor e o filho, o direito do filho de ter no seu nome o sobrenome do pai, entre outros mais.

Com relação a este tema, deve-se observar o princípio da dignidade humana principalmente pelo ponto de vista do filho, já que é este o mais prejudicado por possíveis ações de seus genitores.

O princípio da paternidade responsável foi incluído no Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dispor que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.

A partir de então, o direito da criança ou do adolescente ao reconhecimento do seu estado de filho, que antes da Constituição Federal era impedido em algumas situações pelo Código Civil, passou a ser absoluto.

O princípio da paternidade responsável, além do aspecto de planejamento familiar, se manifesta no dever do pai assumir de forma integral o seu papel, e o fato gerador dessa obrigação pode ser tanto a fecundação, em se tratando de paternidade biológica, quanto à perfilhação socioafetiva.

Este princípio está inserido no direito do estado de filiação, e é previsto implicitamente na Constituição Federal, no art. 227, pois é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar, colocando-os a salvo de toda forma de discriminação, vedando expressamente as designações discriminatórias relativas ao estado de filiação.

O princípio do melhor interesse da criança não consta expressamente no texto constitucional, todavia é considerado de suma importância para se solucionar casos judiciais por exemplo. As crianças e adolescentes são considerados sujeitos ativos do seu próprio destino e devem ser ouvidos sempre que possível a respeito de assuntos que possam vir a afetá-los. Este princípio foi reconhecido na Convenção Internacional de Haia e também no Novo Código Civil em dois de seus artigos, de maneira implícita.

O primeiro dispositivo é o art. 1.583 do Código Civil, dispõe que no caso de dissolução do vínculo conjugal pela separação judicial por consentimento mútuo ou pelo divórcio direto consensual, o que decidirem os cônjuges sobre a guarda dos filhos será observado. Há um Enunciado do Conselho da Justiça Federal, número 101, que decide que a expressão guarda de filhos constante do dispositivo deve ser aplicado tanto para a guarda unilateral quanto a compartilhada, sempre atendido o melhor interesse da criança. Em caso de não concordarem os cônjuges, a guarda deverá ser dada àquele que revelar melhores condições para exercê-la, conforme art. 1.584 do NCC. O aplicado do direito tem uma lacuna deixada pelo legislador para ser resolvida pelo aplicador do direito com base no caso concreto.

Mesmo não constando a palavra afeto na Carta Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana. O princípio da afetividade tem maior relação com o vínculo de afeto do que com vínculo biológico. Assim, surge uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade socioafetiva, baseada na posse de estado de filho.

A defesa da aplicação da paternidade socioafetiva, hoje, é muito comum entre os atuais doutrinadores do Direito de Família. De maneira que o Conselho da Justiça Federal sob o reconhecimento do Superior Tribunal de Justiça, aprovou o Enunciado 103, que reconhece, no art. 1.593 do CC, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente de técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente a qualquer dos pais que não contribuiu com seu material fecundante fundada na posse do estado de filho.

2.2 DIFERENÇA ENTRE O PÁTRIO PODER E O PODER FAMILIAR

Os poderes conferidos pelo pátrio poder mudaram com o decorrer do tempo. Para o direito romano, este tinha um caráter absoluto, no qual o pai, que era o chefe de família, tinha o poder de vida e morte dos filhos. Posteriormente, os poderes outorgados a este chefe foram sendo restringidos, não mais podendo expor o filho, matá-lo ou entregá-lo como indenização.

Segundo o entendimento de alguns, a influência do cristianismo fez com que o poder familiar constituísse um conjunto de deveres, interessando ao Estado assegurar a proteção das novas gerações.

Carlos Roberto Gonçalves entende que a expressão “pátrio poder” tem íntima relação com o poder, enquanto que “poder familiar” tem em vista o exercício da função legitima fundada no interesse de outro indivíduo e não em coação física ou psíquica, proveniente do poder.

Segundo Paulo Nader, o pátrio poder era exercido tão somente pelo marido, e apenas em sua falta ou impedimento a mulher assumia o exercício. Afirma também que “a titularidade do marido não retirava a autoridade da mulher no lar, pois cumpria-lhe zelar pela criação e educação dos filhos” , e o poder do marido apenas prevalecia em caso de divergência na condução de interesses dos filhos.

Somente com o advento da Constituição Federal de 1988 que se concretizou a igualdade plena quanto à titularidade e exercício do poder familiar, visto que no Estatuto da Mulher Casada, a Lei 4.121/62, apesar de conferir a ambos genitores o poder, prevalecia a vontade do marido, exceto em caso que recorrido ao juiz, este desse ganho de causa a mulher.

O poder familiar não se encontra vinculado ao casamento, podendo haver na união estável ou até mesmo sem ter ocorrido qualquer tipo de vínculo entre os pais, desde que reconhecida a paternidade pelo genitor. Esta responsabilidade decorre da filiação.

Apenas no caso de separação judicial, divórcio e dissolução de união estável há pequena alteração no poder familiar, visto que um dos genitores terá a guarda do filho, assegurando ao outro o direito de visitar e fiscalizar a manutenção e educação dada pelo primeiro.

2.3 RESPONSABILIDADE DE CRIAR E EDUCAR

Recentemente tem sido reconhecida pelos juristas uma interpretação distinta da que vinha sendo admitida durante muitos anos no que se refere ao conceito de “criar e educar” que é não apenas responsabilizar-se pelo pagamento das necessidades básicas dos filhos. Esta nova hermenêutica tem por base dois princípios constitucionais: o da paternidade responsável e o da afetividade.

O primeiro se funda na responsabilidade da procriação por serem os responsáveis pela vida biológica dos filhos. Esta responsabilidade, como apontado pela doutrina, é irrenunciável, não permitindo aos pais se desonerarem de quaisquer de seus deveres . Vale ressaltar que esta responsabilidade não se sujeita à ingerência de particulares, da sociedade ou do Estado. Este último tem apenas função fiscalizatória não-ostensiva e a punição dos titulares do poder quando descumprirem seu dever.

O segundo princípio tem por base o elo que envolve o poder familiar não ser preponderantemente moral ou jurídico, mas de natureza afetiva, sentimental. Sendo neste último que se encontra a maior motivação para as ações inerentes ao poder familiar.

Segundo Paulo Nader, “criar não é apenas oferecer recursos materiais, mas essencialmente é atenção, carinho, dialogo” . O mesmo autor compreende que a lei natural ensinada aos homens os levam a dar proteção, carinho e assistência aos filhos menores por causa do sentimento de amor que liga a prole aos genitores.

Com fulcro na sentença do magistrado de Capão da Canoa, Rio Grande do Sul, Mario Romano Maggioni, “A educação abrange (...) convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a presença do pai ajude no desenvolvimento da criança.”

A autoridade dos pais tem como atribuições primárias cuidar do desenvolvimento físico e mental assim como assistir moralmente e preparar intelectualmente. Assim quando o menor adquirir a maioridade terá recebido formação do caráter e cultura, além do cuidado com sua vida, tendo, portanto, condições de participar na vida social com base em suas habilidades.

“Os pais educam não apenas quando dirigem observações, comentários aos filhos, mas principalmente quando se apresentam como um modelo pessoal de vida, seja pela seriedade, lhaneza no trato, responsabilidade no trabalho, equilíbrio emocional. ” A educação pode ser percebida quando o educando absorve os ensinamentos que o leva a ter bons hábitos. Esta deve motivar a auto-estima e estimular o desenvolvimento do potencial de cada filho para que possa superar suas dificuldades. O dever de educar também tem relação a proporcionar ensino regular em escola compatível com o nível social dos pais. No caso dos filhos forem portadores de alguma deficiência o dever de educar muitas vezes implica na colocação em estabelecimento especial.

No processo de criação os filhos devem tomar determinadas decisões que lhes dizem respeito a medida que demonstrem amadurecimento e responsabilidade, visto que isto colabora para o desenvolvimento de sua personalidade. Isto exige acompanhamento de perto dos genitores, conhecimento de suas necessidades e de sua evolução.

Um ponto importante a ser considerado é que como os filhos devem respeito e obediência aos pais, pode-se afirmar que a estes, detentores de poder familiar, cabe o dever de cobrar tais condutas dos filhos menores. Visto que educar é impor limites e induzir a formação de bons hábitos, os pais que não exigem respeito e obediência de seus filhos violam deveres inerentes ao exercício do poder familiar.

Todavia, há entendimento doutrinário contrário no que se refere a alguns pontos, entendendo que cabe aos pais a vigilância e a manutenção do espaço onde a educação se desenvolve. Todavia não é necessário que haja afeto, não havendo relação entre amor e dever, pois se o amor e o aprendizado se fundissem, o Ministério Público seria parte legítima para requerer a indenização, visto que haveria lesão concreta ao princípio legal previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Há entendimento por parte de alguns julgadores que o Poder Judiciário não tem como responsabilidade condenar alguém a pagar indenização por desamor .

Este entendimento Cabe aos pais a vigilância e a manutenção do espaço onde a educação se desenvolve. Para que isso seja feito, não há necessidade de afeto. Amor e dever não se misturam. Se o amor e o aprendizado se fundissem, o Ministério Público seria parte legítima para requerer a indenização, pois haveria lesão concreta ao princípio legal previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outro ponto que esta corrente diverge é o que diz respeito ao dever de companhia. O entendimento quanto ao artigo 1589 do CC é que há a faculdade de visitar a criança e não um dever de fazer-se presente. Alega ao afirmar isto que ao considerar como indispensável a presença de ambos genitores na vida do menor há quase que uma volta ao pátrio poder, podendo a criança viver normalmente, de forma saudável, sob a guarda de apenas um genitor, sem prejuízo de seu desenvolvimento.

Também afirma que se cumular a destituição do poder familiar com a indenização, pode-se criar um problema mais grave, já que muitos pais por causa de temor a condenação por danos morais, e não por amor, passariam a exigir o direito de participar ativamente da vida do filho. Estes exigiriam a convivência, mesmo que não sendo, por exemplo, bom pai, tendo que a mãe, zelosa, partilhar a guarda com alguém que notoriamente não possui qualquer afeto pela criança. A condição de amor obrigado pela lei poderia ser pior que a ausência. Isto geraria uma nova figura jurídica, o abandono do pai presente, por não ser necessária a distância para que fique caracterizada a falta de interesse afetivo.

Neste caso, sendo constatada a nocividade da presença do pai, a mãe poderia exigir judicialmente o seu afastamento, sendo então impedido de exercer a guarda do filho, ficando livre da obrigação por meio da sentença. Não havendo assim a possibilidade de exigir qualquer indenização pelo desprezo paterno. Desta feita, a potencialidade de ser prejudicial ao menor, por meio de sua presença, pode ser uma tese para defender a ausência dos pais, sujeitos à única condenação possível: a destituição da guarda, já aplicada a situações da mesma espécie, imputando ao requerente a complicada comprovação do abandono. Nessa ótica, casos de indenização por abandono, o magistrado apenas transformaria a dor do menor por falta de cuidado e a alegação de falta de amor do genitor em pagamento de valores.

Vale ressaltar que esta corrente entende que o afeto não decorre do vínculo genético. Assim, somente há chance de sucesso uma aproximação entre pai e filho que seja realmente desejada por ambos. A relação afetuosa deve ser fruto de aproximação espontânea, cultivada reciprocamente, e não de força judicial.

2.4 AS CONSEQUÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO PODER FAMILIAR

2.4.1 Consequências Civis

Quando ocorre o descumprimento da função social do poder familiar é possível, segundo o Código Civil, haver dois tipos de conseqüências: a suspensão e a extinção do poder familiar. A principal intenção ao aplicar estas sanções é a de preservar o interesse do menor e não punir os pais, sendo possível perceber isto com a devolução do poder familiar ao genitor que o teve retirado.

A suspensão é aplicada nas hipóteses do artigo 1.637 do CC, que são: descumprimento dos deveres inerentes aos genitores, causar a ruína dos bens dos filhos e condenação em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

Pode-se entender como descumprimento dos deveres inerentes ao genitores: permitir que o filho fique em estado de criminalidade, vadiagem, libertinagem e mendicidade; incitar ou propiciar esses estados ou concorrer para perversão; infligir ao menor maus-tratos privando-o de alimentos ou cuidados; faltar aos deveres paternos por abuso de autoridade, incapacidade, negligência, ou impossibilidade de exercer o pátrio poder; empregar o menor em ocupação proibida, ou contrária à moral ou aos bons costumes; expor a risco a vida, a saúde ou a moralidade da criança. Suspenso o poder, perde o pai todos os direitos em relação ao filho, inclusive o usufruto de seus bens.

No que se refere a atentar contra a vida do menor, seja física ou moralmente, não é necessário que ocorra reiteradamente, bastando que ocorra apenas uma única vez para a aplicação da sanção.

Com relação à suspensão do poder familiar em virtude de condenação criminal por sentença irrecorrível é possível julgamento antecipado da lide, conforme já decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Vale ressaltar que a suspensão é temporária, apesar de não ter um limite de tempo, sendo válida apenas durante o período necessário, arbitrado pelo magistrado, para cessar a causa que a motivou. Esta sanção pode ser revogada a qualquer tempo. Importante registrar que pode suspender totalmente os poderes ou parcialmente, como, por exemplo, à administração dos bens. Pode ocorrer a suspensão unicamente a determinado filho, permanecendo sua autoridade para com outro.

A extinção do poder familiar nem sempre será uma pena, visto que esta pode ocorrer por fato natural ou por ato voluntário. No primeiro caso ocorreria em caso do falecimento dos pais ou do filho, por ato voluntário, que se dá com a entrega do filho para adoção. Esta pena, também chamada de perda ou destituição, assim como a anterior, deve ser decretada por decisão judicial.

As hipóteses previstas no Código Civil que causam a perda do poder familiar estão elencadas no artigo 1.638. Por causa do entendimento de que os pais são exemplos para os filhos, e estes reproduzirão estes modelos durante sua vida, a prática de atos atentatórios contra a moral e aos bons costumes coloca em risco a formação adequada dos filhos sendo motivo para a perda da autoridade parental.

Em caso de castigo físico imoderado ao menor, da mesma forma que na sanção de suspensão, segundo o entendimento de alguns , não é necessária a reiteração da conduta para que ocorra a perda do poder familiar. “A imposição do aludido castigo configura, pois, abuso da autoridade paterna, que autoriza o juiz a suspender temporariamente o poder familiar. A reiteração pode levar a sua destituição.”

Deixar o filho em situação de abandono também configura a possibilidade de aplicação desta sanção. Uma vez que o abandono priva o menor do direito de conviver com a família e a comunidade. Este abandono pode ser entendido como material, moral ou intelectual que configuram hipóteses de crime previstos na legislação.

A reiteração de condutas que implicam na suspensão, também é motivo para a destituição do poder familiar. Com base na análise do magistrado, casos de abuso de autoridade, imposição de sacrifícios aos filhos, causando-lhes constrangimento, pode gerar a suspensão ou até mesmo a perda do poder familiar, ainda que seja por vedar formas mais simples de lazer aos filhos ou imposição de tarefas além de suas capacidades, por gerar risco de desenvolver uma personalidade que dificulte a adaptação psicológica à diversidade de ambientes e circunstâncias.

Vale ressaltar que a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 437, parágrafo único, prevê como possível a aplicação da extinção do poder familiar aos pais que permitirem o trabalho de menor em locais que sejam nocivos a sua saúde ou que atentem contra a sua moral.

Atualmente se tem visto, no poder judiciário, a possibilidade de uma terceira conseqüência para o descumprimento, a indenização ao filho que se sente rejeitado. Todavia, esta é uma opção que gera grande divergência, visto que há os que concordam com o pagamento da indenização e os que são contrários.

O grupo que se posiciona de forma contrária ao pagamento da indenização alega que o dever de reparar passaria a ser mero prêmio de consolação, deixando de ser uma classe extraordinária da valorização aos danos reais e relevantes. Ressalta, também que após a lide, uma barreira intransponível os afastaria ainda mais, praticamente impedindo qualquer tentativa futura de reconciliação. Se a solução para o problema fosse o dinheiro, a reparação se daria por meio da pensão alimentícia. O alargamento exacerbado da possibilidade de indenizar poderia desvalorizar a ciência jurídica, tornando-a simples mercantilismo.

O Poder Judiciário, no que se refere às relações familiares, semente tem que apreciar a defesa aos direitos fundamentais do menor. Qualquer intromissão em questões relacionadas ao sentimento seria abusiva, perigosa e põe em risco relações que não são de sua competência. O amor não é proveniente de coação, mas de algo alheio ao entendimento. Já a corrente que entende ser cabível a indenização, como é o caso do juiz Luiz Fernando Cirillo, se posiciona em uma sentença prolatada que “a par da ofensa à integridade física (e psíquica) decorrente de um crescimento desprovido do afeto paterno, o abandono afetivo se apresenta também como ofensa à dignidade da pessoa humana, bem jurídico que a indenização do dano moral se destina a tutelar”.

Este magistrado ainda compreende que não é o simples fato de os pais estarem separados e portanto não terem a mesma convivência com o filho que gera o direito de indenização por danos morais. Outro extremo seria negar a existência de dano moral se o genitor, possui condições materiais e intelectuais, e ainda assim se abstém completamente de estabelecer relacionamento afetivo ou de convivência, ainda que mínimo, com seu filho, como se não houvesse um vínculo de parentesco, que no âmbito jurídico se expressa também como companhia, transcendendo, assim, a dimensão estritamente material.

Neste caso da sentença do magistrado citado há a constatação de conflitos, na autora, tendo por fator precípuo a rejeição do pai, já que este não demonstra afeto por ela e nem sequer interesse pelo seu estado emocional, focando sua relação com esta apenas na dimensão financeira, a ponto de considerar normal ter se esquecido da filha. Como não teve possibilidade de conviver com uma figura paterna que se relacionasse com ela de forma completa, defrontada com a situação de ser formalmente filha do réu ao mesmo tempo em que tentava vivenciar uma relação de pai e filha com o segundo marido de sua mãe. Seu referencial familiar se caracterizou por comportamentos incoerentes e ambíguos, disso resultando angústia, tristeza e carência afetiva, que atrapalharam seu desenvolvimento profissional e relacionamento social.

Em casos como este, grande parte dos julgados tem acolhido o pedido de indenização de dano moral, todavia, antes é necessária a comprovação, por meio de perícia psicológica, do dano gerado na criança. Conforme Paulo Nader “os pais que se limitam à assistência material, simplesmente pagando alimentos aos filhos, poder ser acusados de abandono emocional e se sujeitarem à responsabilidade civil pelo descumprimento de seu dever e por causarem danos morais irreversíveis.” Para tanto é necessário que se apresentem alguns elementos que são: o nexo de causa e efeito entre ambos, o dano moral, o abandono emocional e o elemento culpa.

Esta corrente entende que a indenização pelo abandono afetivo tem função reparatória e pedagógica. O STF ainda não se manifestou sobre a possibilidade da indenização, todavia, se o disser que não há nenhuma sanção às regras e aos princípios jurídicos de que os pais são responsáveis pela criação e educação de seus filhos, este órgão instalaria e endossaria a irresponsabilidade paterna. A importância político-social e a repercussão geral estão na veiculação direta e reflexa da tragédia social de milhares de crianças abandonadas e dos vários sintomas desse abandono.

Esses sintomas não se resumem a mera consequência da falta de políticas públicas adequadas, estando diretamente relacionados ao abandono paterno, por causa da falta do exercício das funções paternas. A reparação civil ou a indenização tem a função de contemplar aquilo que não se pode obrigar. Negar o direito da reparação civil pelo abandono afetivo é o mesmo que retirar a responsabilidade dos pais pela criação e educação de seus filhos.

2.4.2 Possibilidade de Sanção Penal

Para Paulo Nader, é plenamente possível a aplicação de sanções penais em caso de descumprimento da função social do poder familiar. Para tanto, é necessário que haja o descumprimento de forma clara e, dependendo da sanção, de repetição da omissão.

Há a possibilidade de enquadrar as condutas dos genitores em diversos artigos do Código Penal Brasileiro. Ao não proporcionar, pelo menos, a educação primária aos filhos, fica caracterizado o crime de abandono intelectual, capitulado no artigo 246 do Código Penal. Este dever, segundo Carlos Roberto Gonçalves , não se limita a instruir os filhos, mas deve ser compreendido de forma ampla, instruindo moral, política, profissional e civicamente.

O abandono material, previsto no artigo 244 da legislação penal, é o crime que comete o genitor que não provê o sustento de sua prole, todavia, isto não causa a perda do poder familiar, e ainda que ocorra esta perda, não é motivo que libere o genitor faltoso de cumprir com sua responsabilidade, caso contrário seria este beneficiado e o outro cônjuge teria que arcar com todas as despesas sozinho. Vale ressaltar que este crime somente é cometido se for sem justa causa.

Ao entregar o filho à pessoa que possa expor a criança, moral ou materialmente, a perigo, está se cometendo o crime tipificado no artigo 245 do CP. Neste caso, o que a lei tenta impedir é que o menor que ainda tem sua personalidade em formação seja influenciado negativamente ao observar o comportamento deste indivíduo de moral duvidosa e deseje ser como ele. Da mesma forma tem-se a intenção de prevenir que alguém coloque a integridade física ou a vida do menor em risco. Para que este crime seja consumado basta que o genitor saiba do perigo que o filho corre ao ficar em companhia desta pessoa, não necessitando que haja perigo concreto.

Apesar de mostrarem-se contrários, os doutrinadores convergem na possibilidade dos pais castigarem os filhos por meio de punição física, desde que de forma moderada, sob pena de cometer o crime de maus-tratos do artigo 136 do diploma penal. Este crime ainda é causa de perda do poder familiar. Vale ressaltar que este crime pode ser desclassificado para lesão corporal, por exemplo, caso a intenção do ofensor não seja educar, podendo ser compreendido de diversas formas, como, por exemplo, punir por meio de privação de alimentos durante período de tempo suficiente para que possa causar perigo para a vida ou a saúde da vitima; ou privar de cuidados indispensáveis; ou sujeitar a trabalhos excessivos, como uma criança realizar determinada tarefa por tempo longo demais ou trabalho inadequado para sua qualidade.

É possível registrar um crime que pode ser cometido contra os filhos, todavia, também pode ser praticado por terceiros. Para que se configure o crime do artigo 133 basta a exposição do menor a perigo, visto que ao ser tipificado não há dolo de dano, caso contrário, responderá o agente garantidor pelo crime de homicídio, por exemplo. Este é um crime de perigo concreto, sob pena de ficar provada a atipicidade do fato. Há três elementos que caracterizam este delito: o ato de abandonar, o incapaz estar sob guarda, vigilância ou cuidado do agente e ser incapaz de defender-se dos riscos produzidos com o abandono. Esta incapacidade pode ser relativa ou absoluta, durável ou temporária.

No artigo 134, há o delito de abandono de recém-nascido. Apesar de semelhante à infração penal anterior, aprouve ao legislador acrescentar esta em separado. A grande diferença do crime do artigo anterior é que este tem a finalidade de ocultar a desonra própria, com seu comportamento. O recém-nascido, segundo a doutrina, é aquele que nasceu a poucas horas ou dias, não se concebendo a possibilidade de ter alguns meses de vida. O crime é praticado para que não haja mácula em sua honra. Este delito quase não mais é praticado, visto que foi reduzida significativamente a discriminação, por exemplo, de uma mãe solteira.

Por fim, o último crime passível de comissão pelo genitor é o de abandono moral, previsto no artigo 247 do CP, que tem suas semelhanças com o de entregar o filho para pessoa que possa oferecer perigo, todavia neste caso a diferença é que se leva a criança para local que a exponha moralmente.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após apresentados pensamentos de diversos doutrinadores, pode-se dizer que com o decorrer da história, houve alterações, primeiramente, na mentalidade da sociedade e conseqüentemente a posteriori na legislação que levaram a transformar o pátrio poder, em poder familiar, em parte, esvaziando-o de direitos e acrescentando deveres a serem cumpridos. Todas as alterações que ocorreram têm em vista alguns princípios que foram sendo reconhecidos ao longo do tempo, como é o caso da igualdade, que igualou direitos e deveres de ambos os cônjuges com relação à educação do menor, ou a paternidade responsável que gerou deveres de se responsabilizar o genitor pela educação visando a integridade física, moral, intelectual do menor.

Assim é possível afirmar sem dúvida que o pátrio poder não é exatamente o mesmo que poder familiar, tendo ocorrido apenas mudança nominal, mas tem conteúdos distintos, e grandes alterações principiológicas, principalmente se levar em consideração o pátrio poder no direito romano.

Com relação à responsabilidade de criar e educar não é passível afirmar categoricamente o que a expressão significa, visto que a compreensão da doutrina diverge. Até que o Supremo Tribunal Federal se manifeste, não haverá um entendimento que prevalecerá, visto que as fundamentações de ambas correntes têm suas falhas e seus pontos fortes. Contudo, analisando a expressão a partir do princípio da paternidade responsável a corrente doutrinária com fundamento mais sólido é a que compreende que ambos os genitores devem fazer-se presentes na vida do filho, já que foram concorrentemente responsáveis pela geração da vida dele.

Fundamentos baseados na não afetividade do genitor pelo filho não devem ser tidos como mais importantes. A dignidade da pessoa humana tem base no amor ao próximo e isto deve ser entendido como ter consideração, respeito, observar a necessidade do outro. Isto aplicado ao caso em questão pode ser visto como o genitor respeitar o filho e desejar o melhor para ele, visto que seus laços não são meramente jurídicos, mas consangüíneos e morais. Da mesma forma que a corrente contratual que compreende que o ser humano, nos primórdios, convencionou pelo respeito pelo outro, pela privação de determinados direitos, para viver junto em comunidade deve-se absorver esta lição para que haja o convívio do genitor com o menor, ainda que ele alegue não haver afeto para com a pessoa do filho.

Conforme verificado são cabíveis dois tipos de sanção civil para o descumprimento da função social do poder familiar, segundo o Código Civil, que são estas a suspensão e a destituição do poder familiar. Há também a divergência quanto à terceira sanção, a indenização. O entendimento da corrente favorável a indenização é o mais adequado. Apesar de poder haver a possibilidade de banalização e riscos ao transformar o não convívio familiar em pagamento de valores, a intenção é plenamente justa, já que visa à responsabilização dos genitores pela participação na vida do menor por terem o gerado.

A própria Constituição Federal confere o dever do planejamento familiar ao indivíduo, isto implica na responsabilidade dos atos, já que um filho pode ser gerado dentro de um casamento, uma união estável ou até mesmo de uma relação sexual sem qualquer tipo de envolvimento entre as duas pessoas.

Já foi afirmada a possibilidade de aplicação de sanções de natureza penal ao genitor que se descuida de suas responsabilidades para com o menor. A única divergência restante, quanto ao tema, seria a leitura correta a ser feita do disposto nos artigos da legislação penal. Como afirmado, em alguns casos criminalistas entendem o abandono intelectual meramente como impedir o filho a estudar e os civilistas enxergam de forma mais ampla, a instrução de valores para a vida como um todo.

Por fim, não há como afirmar qual o posicionamento majoritário da doutrina e jurisprudência com relação a todos assuntos abordados, visto que trata-se de novidade no campo jurídico e poucos autores e judicantes manifestaram-se explicitamente sobre eles, ou ainda, não havia o reconhecimento da necessidade de abordar os temas aqui tratados, havendo pouca literatura relevante para o acumulo do conhecimento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Artigo Científico Jurídico apresentado como exigência final da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso à Universidade Estácio de Sá – Curso de Direito.